E-Book, Portuguese, Band 4, 283 Seiten
Reihe: Mestres da Poesia
De Andrade / Nemo Mestres da Poesia - Mário de Andrade
1. Auflage 2020
ISBN: 978-3-96944-371-2
Verlag: Tacet Books
Format: EPUB
Kopierschutz: 6 - ePub Watermark
E-Book, Portuguese, Band 4, 283 Seiten
Reihe: Mestres da Poesia
ISBN: 978-3-96944-371-2
Verlag: Tacet Books
Format: EPUB
Kopierschutz: 6 - ePub Watermark
Mário Raul Morais de Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 São Paulo, 25 de fevereiro de 1945) foi um poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista, ensaísta e fotógrafo brasileiro. Foi um dos pioneiros da poesia moderna brasileira com a publicação de seu livro Pauliceia Desvairada em 1922. Mario exerceu uma grande influência na literatura moderna brasileira e, como ensaísta e estudioso, foi um pioneiro do campo da etnomusicologia. Sua influência transcendeu as fronteiras do Brasil.
Autoren/Hrsg.
Weitere Infos & Material
Há uma gota de sangue em cada poema
Explicação
O autor crê necessária esta pequena explicação. Estes poemas foram compostos todos em abril; e desde logo o autor quis dar-lhes a vitalidade de livro – antes de ter o desvairo dos idólatras atingido o nosso Brasil. Hoje não há mais o ontem em que fomos espectadores. Hoje também os versos seriam muito outros e mostrariam um coração que sangra e estua. O autor nunca foi aliado. Chorava pela França que o educara e pela Bélgica que se impusera à admiração do universo. E permitia a cada um sua opinião… Agora, porém, ele se envergonha pelos brasileiros que, tendo sido germanófilos um dia, mesmo após o insulto, continuaram de o ser. Nem todas as nuvens de todos os tempos, reunidas em nosso céu, propagariam uma treva igual à que lhes solapa a inteligência e o infeliz amor da pátria.
Biografia
São Paulo o viu primeiro.
Foi em 93.
Nasceu, acompanhado daquela
estragosa sensibilidade que
deprime os seres e prejudica
as existências, medroso e humilde.
E, para a publicação destes
poemas, sentiu-se mais medroso e mais humilde, que ao nascer.
Abril de 1917.
Prefácio
Perdão. – Também, no mato, se depara
guarantã que tombou, no último esmaio,
porque, vencido à chuva, o estraçalhara
– Pollice verso! – o gládio irial do raio…
Tombou entre os cipós. E, quando maio
sobre o exício medonho se escancara,
vê que o recobre o riso novo e gaio
das trepadeiras e da manhã clara.
– Por sobre o torso lívido e canhestro
da Europa em ruína vem também agora
brilhar, de manso, o maio em sol dum estro:
deixai, floresçam, nos seus tons diversos,
as rosas matutinas desta flora,
a primavera destes simples versos!
Exaltação da paz
Ó paz, divina geratriz do riso,
chegai! Ó doce paz, ó meiga paz,
sócia eterna de todos os progressos,
estendei vosso manto puro e liso
por sobre a terra, que se esfaz!
Ó suave paz, grandiosa e linda,
chegai! Ponde, por sobre os trágicos sucessos,
dos infelizes que se degladiam,
vossa varinha de condão!
Tudo se apague! este ódio, esta cólera infinda!
Fujam os ventos maus, que ora esfuziam;
que se vos ouça a voz, não o canhão!
Ó suave paz, ó meiga paz!…
O sol, nas arraiadas calmas,
brilhara sobre montes, sobre vales,
sobre inconsciências de campônios,
sobre paisagens de Corot;
havia beijos mornos de favônios,
e aos altos montes e nos fundos vales
os galhos eram compassivas almas,
dando sombras no prado e frescura nas fontes…
– Hoje, por vales e por montes,
tudo mudou.
Tudo mudou!… Atra estralada de bombardas
em sanha, um clangorar de márcios trons reboando,
tempestades terrestres estrondeando,
tiritir, sibilar, zinir miúdo de balas
caindo sobre absconsas valas,
coriscos, raios levantando-se de covas,
batalhões infernais em soturnas atoardas,
clarins gritando, baionetas cintilando,
bramidos, golpes, ais, suspiros, estertores…
Que é dos outonos de úmidos calores?
que é das colheitas novas?…
Onde as foices brilhando ao sol?
onde as tardes de rouxinol?
onde as cantigas? onde as camponesas?
onde os bois nas charruas?
onde as aldeias de sonoras ruas?
onde os caminhos com arvoredos e framboesas?
Tudo mudou!
gira na Terra
o tripúdio satânico da guerra.
Por quê? – Se o mundo é bom, a vida boa;
se a luz é para todos, se as campinas
dão para todos:
por que viver, lutando à-toa?…
Insultos, cóleras, apodos,
a carniçal volúpia das chacinas,
os ódios que se batem,
as mil raivas que se combatem,
Alsácias vergastadas,
heróicas Bélgicas dilaceradas,
Lièges desfiguradas,
sânie, ruína, infinitas sepulturas,
desvairado matar, hecatombes monstruosas…
E de nenhuma parte um beijo de perdão!
Vão para a guerra, desdenhando-lhe as agruras,
todos vestidos de coragens ambiciosas:
e acaso alguém terá razão?…
Muito mais ter razão é conduzir as gentes
pelo caminho bom das alegrias:
sem, com os exércitos ingentes,
acordar os convales e as vertentes,
e os ecos virginais das serranias.
…Provocar nas cidades, nas aldeias,
as guerras sacrossantas dos trabalhos;
distribuir pelos povos
trigos e livros a mancheias;
honrar, com outros novos,
os monumentos velhos e grisalhos…
…Derramar a verdade em cada casa;
dar-lhe um livro, que é força; educação, que é uma asa;
pôr-lhe à janela as flores caprichosas,
pôr-lhe a fartura no limiar;
e sobre ela fazer desabrochar
o riso, como desabrocham rosas…
Ter razão é levar pelo atalho da fé.
É as greis humanas, pela primavera,
quando a terra toda é
florida como uma quimera,
conduzir para a luz, para a alegria,
para tudo que é róseo e que é risonho,
para tudo que é poema ou sinfonia,
para o arrebol, para a esperança, para o sonho!…
Ó doce paz, ó meiga paz!…
Vinde divina geratriz do riso;
estendei vosso manto puro e liso
por sobre a terra que se esfaz!
E novamente os povos sossegados,
mais felizes alfim, menos incréus,
envolvereis, ó paz imensa!
– De novo os cantos rolarão nos prados;
e os homens todos rezarão aos céus,
numa ressurreição da esperança e da crença!
Inverno
O vento reza um cantochão…
Meio-dia. Um crepúsculo indeciso
gira, desde manhã, na paisagem funesta…
De noite tempestuou
chuva de neve e de granizo…
Agora, calma e paz. Somente o vento
continua com seu oou…
Destacando-se na brancura,
os últimos pinheiros da floresta,
ao vendaval pesado e lasso,
como que vão partir em debandada:
parece cada qual, com a cabeça dobrada,
uma interrogação arrojada no espaço.
O vento rosna um fabordão…
Qual um mármore plano de moimento,
silenciou o caminho. É a sepultura,
profana, sem unção,
onde, com a última violeta,
jaz a franca alegria do verão…
Há ventania, mas
há solidão e paz.
Ninguém. Os derradeiros pios
voaram de manhãzinha; mas em breve
sepultaram-se sob a neve,
mudos e frios.
Tudo alvo… apenas a tristeza preta,
e o vento com seus roncos…
Ninguém.
– Alguém!
Olha, junto dos troncos,
um reflexo de baioneta!…
Epitalâmio
É sempre assim. De manhãzinha, braço dado,
nos jardins claros do hospital,
ele mancando, a ela apoiado,
silenciosos, lado a lado,
dão o passeio matinal.
E, vagarosamente, se entranhando
no perfume vermelho da manhã,
ela vem triste, como que sonhando,
– ela, que é sã –
e ele, – o ferido – traz sorrisos francos,
vem assobiando entre seus lábios brancos
uma valsa alemã…
E no fundo do parque redolente,
onde tudo é perfume e som,
sentam-se e dizem, já maquinalmente:
“Êtes-vous las?” – “Oh! non!”
Então ele, com sua voz quebrada,
vendo o sol que no longe aponta,
entrando sorrateiro sob a touca,
brincar entre os cabelos brunos dela,
pela décima vez conta e reconta
como o prenderam e feriram pela
tardinha, ao proteger a retirada
dos seus soldados.
Ela, dedos febris entrelaçados,
bebe o reconto que lhe sai da boca.
E ele lembrando, sem vanglória, o heroísmo
que praticou, a vê chorar…
Então se arrasta para junto dela,
pergunta-lhe a razão do seu mutismo,
pede-lhe as mãos para beijar…
– “Porquoi pleures tu?” – “Moi!” – “Mais oui!…”
E no seu colo se debruça,
cola-lhe a boca às mãos; e enquanto ele soluça,
agora, ela sorri.
É sempre assim…
Mas ao voltar, vem resplendendo
nela o beijo nas mãos, nele a esperança…
Voltam pelos meandros do jardim,
e ela vem rubra, que ele vem dizendo
quanto acha lindas as manhãs de França…
Refrão de Obus
Partir pelo ar, atravessar girando
o ambiente perfumado do verão.
Sentir o vento novo e brando;
no ímpeto da carreira,
perfumar-se e abrandar-se à viração!…
Partir, com o íntimo esforço, velozmente:
ver na campina a última leira,
rasgada pelo último arado,
aberta a boca mansa, esperar a semente!…
Partir, ouvindo os passarinhos,
que despertara a cotovia,
musicar, lado a lado,
o êxtase florescido dos caminhos!…
Ó! como é bom partir, subindo!…
Sob a palpitação da madrugada fria,
à ovação triunfal do dia infante e lindo
ó! como é bom partir subindo!…
Partir, alimentando um desejo de escol;
partir, subindo pelo espaço para o sol!…
Mas na suprema glória de subir,
sentir
que as forças vão faltar:
e retornar de novo para a terra;
e servir de instrumento numa guerra;
e rebentar,
e...